Reflexões sobre o currículo oculto nas séries iniciais
Desde 1902, com a publicação do livro The child and the curriculum de John Dewey, que ressaltava a importância da valorização das experiências dos alunos, independente da relação da formação para o trabalho, temos o início da discussão da necessidade de avaliação do currículo e da postura do professor frente à política pedagógica adotada pela escola.
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Apesar de tantos anos terem se passado e de estarmos no século XXI, vemos a reprodução do modelo criticado por Dewey e por outros teóricos, de forma irrefletida.
No Brasil temos a imensa maioria de estudantes freqüentando a escola pública, grande parte dos alunos são da camada pobre da população. Esse fator econômico influencia na prática educativa do professor na medida em que o currículo é estabelecido para crianças da cultura dominante, ou seja, o conhecimento dos alunos pobres não é aproveitado muitas vezes, porque alguns professores não consideram esses conhecimentos válidos para o ensino aprendizagem. Sendo que essa cultura passa a ser desvalorizada, como algo não correto, pois não corresponde às determinações da cultura dominante.
Para a ideologia dominante é importante que o sistema social continue igual, pois assim seus representantes manteriam a condição de dominante, detendo o poder econômico e estabelecendo a cultura que seria seguida pelas demais classes sociais. Isso se realiza através da educação autoritária, onde o aluno não participa ativamente do processo educativo e onde não desenvolve a consciência crítica da sociedade. Através da transmissão do conteúdo curricular e de um modelo de economia, aprendido pelos alunos na escola, se estrutura a sociedade capitalista, que é a qual vivemos.
Na sociedade capitalista, o trabalhador precisa respeitar o patrão e não questionar se quiser se manter no emprego. Esse modelo de relação trabalhista, é ensinado pela escola, principalmente a escola pública, porque os alunos pobres aprendem tanto na relação com os agentes educativos e com o professor, como com o currículo oculto, a serem pacíficos, a não criticarem.
O currículo oculto aparece desde a determinação dos objetivos pedagógicos do projeto escolar, até na prática pedagógica do professor.
O professor quando não atribui valor aos conhecimentos prévios dos alunos, por considerações pessoas ou filosóficas, auxilia nesse processo da reprodução cultural.
Muitas vezes o educador não reflete sobre a sua importância para as modificações sociais, e isso ocorre quando este não desenvolveu a capacidade de reflexão crítica.
As séries iniciais são o ponto de partida na vida acadêmica e na tomada do desenvolvimento da autonomia reflexiva da criança, por isso, a construção da criticidade tem seu início nos primeiros anos do ensino fundamental.
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Além de refletir sobre essas considerações, o educador precisa agir frente às necessidades apresentadas, não que ele solucionará todos os problemas dos alunos e da escola, mas se tomar a iniciativa de trabalhar com os alunos, com os outros professores e com a comunidade para modificar ou melhorar alguma situação pela qual a escola e o aluno passam, com certeza estará realizando o segundo passo da reflexão crítica, que é a ação. O ato pedagógico necessita de reavaliação constantemente, pois as modificações cotidianas da sociedade solicitam essa revisão.
A escola, demonstra ser o refúgio de muitas crianças pobres, assim como das crianças que tem a família desestruturada, ou sofrem privações econômicas que interferem no seu desenvolvimento escolar, portanto o educador precisa preparar-se para estes problemas, não só emocionalmente, como também avaliar que o ato pedagógico é uma das poucas profissões que permite intervir diretamente na estrutura social.
Se não há preparo filosófico e político, o educador, ao deparar-se com os problemas mencionados, tende a culpar o próprio aluno e alienar-se da situação.
Os conteúdos curriculares devem contemplar sempre a heterogeneidade de uma comunidade, assim como os educadores precisam envolver essa população, nas situações problemas.
A valorização dos alunos e da sua cultura permite a ação pedagógica em consonância com aquilo que eles podem realizar.
Desse modo, a sociedade democrática se constrói com a valorização do indivíduo e da diversidade cultural, social e econômica. Isso propicia o desenvolvimento das ações transformadoras.
Agir sozinho também não acarretará grandes mudanças na educação, é necessário incutir nos alunos e nos demais professores a necessidade dessas reflexões constantemente, para que estes influenciem outras pessoas, realizando o movimento da reprodução crítica e não mais da reprodução cultural.
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Artigo de Cybele Meyer.
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