publicado em 07/08/2011 às 00h00.
Medicina extrema
Prevenir ou remediar? Médicos divergem sobre a retirada de órgãos saudáveis para evitar um eventual câncer no futuro
Raquel Maldonado
raquel.maldonado@folhauniversal.com.br
Ter uma alimentação balanceada, fazer exercícios, não fumar, beber com moderação e ir ao médico com periodicidade são conselhos de ouro para ter uma vida saudável. Há, porém, quem adote medidas extremas na tentativa de evitar doenças graves e, consequentemente, o sofrimento. Um exemplo de cuidados com a saúde que divide os médicos é o polêmico mapeamento genético, que promete identificar o risco de desenvolver 46 doenças genéticas – de Alzheimer à obesidade. Uns defendem o exame, alegando que a pessoa pode mudar seu estilo de vida. Outros acham o teste um exagero.
“Vivemos numa sociedade com baixa tolerância ao sofrimento. Há coisas que podemos prevenir ou detectar precocemente e começar um tratamento, mas tem outras que não há como saber se vão acontecer. Prevenir é importante, mas não pode virar uma paranoia. A pessoa não pode parar de viver e se privar das coisas com medo de ficar doente”, diz a psicóloga Cecília Zylberstajn.
Para tentar impedir o desenvolvimento de um câncer, alguns médicos podem indicar remédios e cirurgias preventivas para mulheres saudáveis, mas com alto risco de desenvolver a doença. “Alguns remédios diminuem em até 80% as chances. A cirurgia preventiva (retirada das mamas ou do útero) reduz em até 92% o risco”, diz o oncologista Ricardo Caponero.
O caso da inglesa Sally Maguire, de 43 anos, deu o que falar. Ela decidiu retirar os dois seios saudáveis para prevenir o câncer de mama e, aos 28 anos, retirou o útero para evitar o câncer nos ovários. Motivo: a mãe, a avó e a bisavó morreram de câncer nos ovários.
Felipe Roitberg, oncologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), deixa claro que, apesar da eficácia comprovada deste tipo de procedimento, ele não deve ser indicado a qualquer mulher que queira se prevenir da doença. “Não basta apenas ter medo de ter câncer. Para se submeter a este tipo de tratamento, deve ficar comprovado que a mulher tem um risco alto de desenvolver um tumor maligno”, explica o especialista. Além de serem considerados procedimentos extremos, os médicos ainda precisam ponderar os efeitos colaterais, que podem ser graves. No caso do uso dos medicamentos, eles vão desde o aumento do risco de trombose e câncer de endométrio até ondas de calor, secura vaginal, alteração nos ossos e perda de libido.
A consultora financeira Egle Seid, de 53 anos, faz parte do seleto grupo de brasileiras que decidiu pela cirurgia preventiva para evitar um possível câncer de mama. Há 8 anos, fazendo exames de rotina, descobriu calcificações no seio direito, que poderiam eventualmente virar um tumor. “Na época eu não pensei muito. Eu precisaria tomar um medicamento por 5 anos sem ter a certeza de que estaria curada. Optei pela mastectomia, pois as chances de não desenvolver a doença seriam de 98%”, conta.
Uma das questões que mais pesam é o medo de comprometer a feminilidade. Egle diz que lidou bem com a questão. “Para mim foi mais importante estar viva e livre do problema do que qualquer coisa. Fiz uma cirurgia de reconstrução e no começo fiquei insegura, pois a textura do seio muda, fica artificial e sem sensibilidade. É somente a pele e o silicone, mas com o passar do tempo passei a aceitar melhor”, afirma.
Paulo Olzon, chefe da disciplina de Clínica Médica da Universidade Federal de São Paulo, adverte: “Não adianta querer tirar os seios se a mulher se alimenta mal, fuma e não faz exercícios”, diz o médico, que é contra qualquer medida que prometa “antecipar o futuro”. “A única coisa que essas pessoas vão conseguir com essa preocupação desmedida é acabar num consultório de um psiquiatra tomando antidepressivos.” Além de hábitos saudáveis, mamografias e exames ginecológicos periódicos podem oferecer diagnóstico precoce, o que aumenta as chances de cura. No caso de câncer de mama, elas superam os 90%.
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