INTER-TRANSDISCIPLINARIDADE
E TRANSVERSALIDADE
Instituto Paulo Freire/Programa de Educação Continuada
Os
temas transversais dos novos parâmetros curriculares incluem Ética, Meio
ambiente, Saúde, Pluralidade cultural e Orientação sexual. Eles expressam
conceitos e valores fundamentais à democracia e à cidadania e correspondem a
questões importantes e urgentes para a sociedade brasileira de hoje, presentes
sob várias formas na vida cotidiana. São amplos o bastante para traduzir
preocupações de todo País, são questões em debate na sociedade através dos
quais, o dissenso, o confronto de opiniões se coloca.
Através da Ética, o aluno deverá entender o conceito de
justiça baseado na equidade e sensibilizar-se pela necessidade de construção de
uma sociedade justa, adotar atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às
injustiças sociais, discutindo a moral vigente e tentando compreender os valores
presentes na sociedade atual e em que medida eles devem ou podem ser mudados.
Através do tema Meio-ambiente o aluno deverá compreender as noções
básicas sobre o tema, perceber relações que condicionam a vida para
posicionar-se de forma crítica diante do mundo, dominar métodos de manejo e
conservação ambiental. A Saúde é um direito de todos. Por esse tema o
aluno compreenderá que saúde é produzida nas relações com o meio físico e
social, identificando fatores de risco aos indivíduos necessitando adotar
hábitos de auto-cuidado. A Pluralidade cultural tratará da diversidade do
patrimônio cultural brasileiro, reconhecendo a diversidade como um direito dos
povos e dos indivíduos e repudiando toda forma de discriminação por raça,
classe, crença religiosa e sexo. A orientação sexual, numa perspectiva
social, deverá ensinar o aluno a respeitar a diversidade de comportamento
relativo à sexualidade, desde que seja garantida a integridade e a dignidade do
ser humano, conhecer seu corpo e expressar seus sentimentos, respeitando os seus
afetos e do outro.Educação & trabalho.
Além
desses temas, podem ser desenvolvidos os temas locais, que visam a tratar
de conhecimentos vinculados à realidade local. Eles devem ser recolhidos a
partir do interesse específico de determinada realidade, podendo ser definidos
no âmbito do Estado, Cidade ou Escola. Uma vez feito esse reconhecimento,
deve-se dar o mesmo tratamento que outros temas transversais.
3.1 - Como trabalhar com os temas transversais?
A
transversalidade, bem como a transdisciplinaridade, é um princípio teórico do
qual decorrem várias conseqüências práticas, tanto nas metodologias de ensino
quanto na proposta curricular e pedagógica. A transversalidade aparece hoje como
um princípio inovador nos sistemas de ensino de vários países. Contudo, a idéia
não é tão nova. Ela remonta aos ideais pedagógicos do início do século, quando
se falava em ensino global e do qual trataram famosos educadores,
entre eles, os franceses Ovídio Decroly (1871-1932) e Celestin Freinet
(1896-1966), os norte-americanos John Dewey (1852-1952) e William Kilpatrick
(1871-1965) e os soviéticos Pier Blonsky (1884-1941) e Nadja Krupskaia
(1869-1939).
O
Método Decroly dos "centros de interesse" partia da idéia da globalização
do ensino para romper com a rigidez dos programas escolares. Para ele, existem 6
centros de interesse que poderiam substituir os planos de estudo
construídos com base em disciplinas: a) a criança e a família; b) a criança e a
escola; c) a criança e o mundo animal; d) a criança e o mundo vegetal; e) a
criança e o mundo geográfico; f) a criança e o universo. Os centros de interesse
são uma espécie de idéias-força em torno das quais convergem as necessidades
fisiológicas, psicológicas e sociais do aluno. Freinet e Paulo Freire, nesse
sentido, partindo da leitura do mundo, do respeito à cultura primeira do aluno,
buscaram desenvolver o aprendizado através da livre discussão dos temas
geradores do universo vocabular do aluno.
O
Método dos Projetos de Kilpatrick parte de problemas reais, do
dia-a-dia do aluno. Todas as atividades escolares realizam-se através de
projetos, sem necessidade de uma organização especial. Originalmente ele chamou
de projeto à "tarefa de casa" ("home project") de caráter manual que a criança
executava fora da escola. O projeto como método didático era uma atividade
intencionada que consistia em os próprios alunos fazerem algo num ambiente
natural, por exemplo, construindo uma casinha poderiam aprender geometria,
desenho, cálculo, história natural etc. Kilpatrick classificou os projetos em
quatro grupos: a) de produção, no qual se produzia algo; b) de consumo, no qual
se aprendia a utilizar algo já produzido; c) para resolver um problema e d) para
aperfeiçoar uma técnica. Quatro características concorriam para um bom projeto
didático: a) uma atividade motivada por meio de uma conseqüente intenção; b) um
plano de trabalho, de preferência manual; c) a que implica uma diversidade
globalizada de ensino; d) num ambiente natural.
O
Método dos Complexos de Blonsky, Pinkevich e Kupskaia busca levar
à prática coletivamente o princípio da escola produtiva. Concentra todo o
aprendizado em torno de três grandes grupos (complexos) de fenômenos: a
Natureza, o Trabalho Produtivo e as Relações Sociais. Um grupo de educadores
alemães (Braune, Krueger, Rauch) difundiu na Alemanha e Áustria o princípio da
escola em comunidade de vida, isto é, a escola considerada como uma comunidade
de vida e de trabalho, substituindo os planos e programas de estudo por temas
globalizados de trabalho docente.
O
princípio da interdisciplinaridade permitiu um grande avanço na idéia de
integração curricular. Mas ainda a idéia central era trabalhar com disciplinas.
Na interdisciplinaridade os interesses próprios de cada disciplina são
preservados. O princípio da transversalidade e de transdisciplinaridade busca
superar o conceito de disciplina. Aqui, busca-se uma intercomunicação entre as
disciplinas, tratando efetivamente de um tema/objetivo comum (transversal).
Assim, não tem sentido trabalhar os temas transversais através de uma nova
disciplina, mas através de projetos que integrem as diversas disciplinas.
Uma primeira experiência, ainda numa visão interdisciplinar, foi realizada
durante a gestão de Paulo Freire na Secretaria de Educação de São Paulo e está
narrada no livro Ousadia no diálogo: interdisciplinaridade na escola
pública, organizada pela professora Nídia Nacib Pontuschka. O projeto foi
implantado com a ajuda de professores da Universidade de São Paulo. Buscou-se
capacitar o professor para trabalhar nessa nova metodologia de ensino que
consiste basicamente no trabalho coletivo e no princípio de que as várias
ciências devem contribuir para o estudo de determinados temas que orientam todo
o trabalho escolar. Foi respeitada a especificidade de cada área do
conhecimento, mas, para superar a fragmentação dos saberes procurou-se
estabelecer e compreender a relação entre uma "totalização em construção" a ser
perseguida e novas relações de colaboração integrada de diferentes especialistas
que trazem a sua contribuição para a análise de determinado tema gerador
sugerido pelo estudo da realidade que antecede a construção curricular.
Como trabalhar com projetos?
Projeto vem de projetar, projetar-se, atirar-se para a frente. Na
prática, elaborar um projeto é o mesmo que elaborar um plano para realizar
determinada idéia. Portanto, um projeto supõe a realização de algo que não
existe, um futuro possível. Tem a ver com a realidade em curso e com a utopia
possível, realizável, concreta. Dificilmente os integrantes de uma escola
escolherão trabalhar num projeto da escola se ele não foi a extensão de seu
próprio projeto de vida. Trabalhar com projetos na escola exige um envolvimento
muito grande de todos os parceiros e supõe algo mais do que apenas assistir ou
ministrar aulas.
Além
do conteúdo propriamente dito de cada projeto, conta muito o
processo de elaboração, execução e avaliação de cada projeto. O processo
também produz aprendizagens novas. "A própria organização das atividades
didáticas deve ser encarada a partir da perspectiva do trabalho com projetos. De
fato, respostas a perguntas tão freqüentemente formuladas pelos alunos, em
diferentes níveis, como "Para que estudar Matemática? E Português? E História? E
Química?" não podem mais ter como referência o aumento do conhecimento ou da
cultura, ou ainda, mais pragmaticamente, a aprovação nos exames. A justificativa
dos conteúdos disciplinares a serem estudados deve fundar-se em elementos mais
significativos para os estudantes, e nada é mais adequado para isso do que a
referência aos projetos de vida de cada um deles, integrados simbioticamente em
sua realização aos projetos pedagógicos das unidades escolares"
(MACHADO,1997:75).
Como
afirmou recentemente no IPF o professor da UNICAMP, Eduardo Chaves, o tema
transversal fundante é a Ética. Não podemos apresentar esse tema como um
vendedor de roupas que diz: tenho aqui camisas, calças, blusas e também
roupas. A diversidade cultural, o meio ambiente, a sexualidade, o consumo
etc são temas atravessados pela Ética. Ela não é um tema a mais. Ela é elemento
constitutivo de todos os temas.
Como trabalhar com esse temas?
Apresentamos acima algumas alternativas. Estudos mais recentes estão
apontando o método dos projetos como uma alternativa viável. Entre esses
estudos destacamos o de Fernando Hernández (1998) que trata especificamente da
"organização do currículo por projetos de trabalho". A proposta do autor está
vinculada à perspectiva do conhecimento globalizado e relacional. "Essa
modalidade de articulação dos conhecimentos escolares é uma forma de organizar a
atividade de ensino e aprendizagem, que implica considerar que tais
conhecimentos não se ordenam para sua compreensão de uma forma rígida, nem em
função de algumas referências disciplinares preestabelecidas ou de uma
homogeneização dos alunos. A função do projeto é favorecer a criação de
estratégias de organização dos conhecimentos escolares em relação a: 1) o
tratamento da informação, e 2) a relação entre os diferentes conteúdos em torno
de problemas ou hipóteses que facilitem aos alunos a construção de seus
conhecimentos, a transformação da informação procedente dos diferentes saberes
disciplinares em conhecimentos próprios (...) Globalização e significatividade
são, pois, dois aspectos essenciais que se plasmam nos Projetos. É necessário
destacar o fato de que as diferentes fases e atividades que se devam desenvolver
num Projeto ajudam os alunos a serem conscientes de seu processo de aprendizagem
e exige do professorado responder aos desafios que estabelece uma estruturação
muito mais aberta e flexível dos conteúdos escolares". (HERNÁNDEZ,
1998:61-64).
3.2 – O conceito de interdisciplinaridade
A
interdisciplinaridade, como questão gnosiológica, surgiu no final do século
passado, pela necessidade de dar uma resposta à fragmentação causada por uma
epistemologia de cunho positivista. As ciências haviam-se dividido em muitas
disciplinas e a interdisciplinaridade restabelecia, pelo menos, um diálogo entre
elas, embora não resgatasse ainda a unidade e a totalidade do saber.
Desde
então, o conceito de interdisciplinaridade vem se desenvolvendo também nas
ciências da educação. Elas aparecem com clareza em 1912 com a fundação do
Instituto Jean-Jacques Rousseau, em Genebra, por Edward Claparède, mestre de
Piaget. Toda uma discussão foi travada sobre a relação entre as ciências mães e
as ciências aplicadas à educação: por exemplo, a sociologia (da educação), a
psicologia (da educação) etc. e noções correlatas foram surgindo, como
intradisciplinaridade, pluridisciplinaridade e transdisciplinaridade.
A
intradisciplinaridade‚ entendida, nas ciências da educação, como a relação
interna entre a disciplina "mãe" e a disciplina "aplicada". O termo
interdisciplinaridade, na educação, já não oferece problema, pois, ao tratar do
mesmo objeto de ciência, uma ciência da educação "complementa" outra. Diga-se o
mesmo quanto à pluridisciplinaridade. É a natureza do próprio fato/ato
educativo, isto é, a sua complexidade, que exige uma explicação e uma
compreensão pluridisciplinar. A interdisciplinaridade é uma forma de pensar.
Piaget sustentava que a interdisciplinaridade seria uma forma de se chegar à
transdisciplinaridade, etapa que não ficaria na interação e reciprocidade
entre as ciências, mas alcançaria um estágio onde não haveria mais fronteiras
entre as disciplinas.
Após a
2ª Guerra Mundial, a interdisciplinaridade aparece como preocupação humanista
além da preocupação com as ciências. Desde então, parece que todas as
correntes de pensamento se ocuparam com a questão da
interdisciplinaridade:
1º - a
teologia fenomenológica encontrou nesse conceito uma chave para o diálogo entre
igreja e mundo;
2º - o
existencialismo, buscando dar às ciências uma "cara humana";
3º - o
neo-positivismo que buscava no interior do positivismo a solução para o problema
da unidade das ciências;
4º - o
marxismo que buscava uma via diferente para a restauração da unidade entre todo
e parte.
O
projeto de interdisciplinaridade nas ciências passou de uma fase filosófica
(humanista) de definição e explicitação terminológica, na década de 70, para uma
segunda fase (mais científica) de discussão do seu lugar nas ciências humanas e
na educação, na década de 80. Atualmente, no plano teórico, busca-se fundar a
interdisciplinaridade na ética e na antropologia, ao mesmo tempo que, no plano
prático, surgem projetos que reivindicam uma visão interdisciplinar.
A
interdisciplinaridade visa a garantir a construção de um conhecimento
globalizante, rompendo com as fronteiras das disciplinas. Para isso, integrar
conteúdos não seria suficiente. Seria preciso uma atitude e postura
interdisciplinar. Atitude de busca, envolvimento, compromisso, reciprocidade
diante do conhecimento.
A
interdisciplinaridade se desenvolveu em diversos campos e, de certo modo,
contraditoriamente, até ela se especializou, caindo na armadilha das ciências
que ela queria evitar. Na educação ela teve um desenvolvimento particular. Nos
projetos educacionais a interdisciplinaridade se baseia em alguns
princípios, entre eles:
1o - Na noção de tempo: o aluno não tem tempo certo para
aprender. Não existe data marcada para aprender. Ele aprende a toda hora e não
apenas na sala de aula.
2º -
Na crença de que é o indivíduo que aprende. Então, é preciso ensinar a aprender,
a estudar etc. ao indivíduo e não a um coletivo amorfo. Portanto, uma relação
direta e pessoal com a aquisição do saber.
3º -
Embora apreendido individualmente, o conhecimento é uma totalidade. O todo é
formado pelas partes, mas não é apenas a soma das partes. É maior que as
partes.
4º - A
criança, o jovem e o adulto aprendem quando têm um projeto de vida e o conteúdo
do ensino é significativo para eles no interior desse projeto. Aprendemos quando
nos envolvemos com emoção e razão no processo de reprodução e criação do
conhecimento. A biografia do aluno é, portanto, a base do seu projeto de vida e
de aquisição do conhecimento e de atitudes novas.
A
metodologia do trabalho interdisciplinar implica em:
1º -
integração de conteúdos;
2º -
passar de uma concepção fragmentária para uma concepção unitária do
conhecimento;
3º -
superar a dicotomia entre ensino e pesquisa, considerando o estudo e a pesquisa,
a partir da contribuição das diversas ciências;
4º -
ensino-aprendizagem centrado numa visão de que aprendemos ao longo de toda a
vida.
O
conceito chegou ao final desse século com a mesma conotação positiva do início
do século, isto é, como forma (método) de buscar, nas ciências, um conhecimento
integral e totalizante do mundo frente à fragmentação do saber, e na educação,
como forma cooperativa de trabalho para substituir procedimentos
individualistas.
A ação
pedagógica através da interdisciplinaridade aponta para a construção de uma
escola participativa e decisiva na formação do sujeito social. O seu objetivo
tornou-se a experimentação da vivência de uma realidade global, que se insere
nas experiências cotidianas do aluno, do professor e do povo e que, na teoria
positivista era compartimentada e fragmentada. Articular saber, conhecimento,
vivência, escola comunidade, meio-ambiente etc. tornou-se, nos últimos anos, o
objetivo da interdisciplinaridade que se traduz, na prática, por um trabalho
coletivo e solidário na organização da escola. Um projeto interdisciplinar de
educação deverá ser marcado por uma visão geral da educação, num sentido
progressista e libertador.
A
interdisciplinaridade deve ser entendida como conceito correlato ao de autonomia
intelectual e moral. Nesse sentido a interdisciplinaridade serve-se mais do
construtivismo do que serve a ele. O construtivismo é uma teoria da aprendizagem
que entende o conhecimento como fruto da interação entre o sujeito e o meio.
Nessa teoria o papel do sujeito é primordial na construção do conhecimento.
Portanto, o construtivismo tem tudo a ver com a interdisciplinaridade.
A
relação entre autonomia intelectual e interdisciplinaridade é imediata. Na
teoria do conhecimento de Piaget o sujeito não é alguém que espera que o
conhecimento seja transmitido a ele por um ato de benevolência. É o sujeito que
aprende através de suas próprias ações sobre os objetos do mundo. É ele,
enquanto sujeito autônomo, que constrói suas próprias categorias de pensamento
ao mesmo tempo que organiza seu mundo, como costumava nos dizer, em Genebra,
nosso mestre Piaget.
http://www.inclusao.com.br/projeto_textos_48.htm
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