10 de setembro de 2011
Ensino brasileiro precisa de aula de inovação
Em um mundo em que inovar é sinônimo de desenvolvimento, é preciso modernizar o ensino das ciências. Estudiosos e escolas já estão nesse caminho
Uma certeza vem se impondo entre cientistas, economistas e outros especialistas: a capacidade de inovar – de transformar ideias em produtos rentáveis – tornou-se um fator determinante no desenvolvimento econômico das nações. O Brasil ainda precisa dar um salto nesse campo. Em 2009, por exemplo, o país pediu o registro de apenas 464 patentes nos Estados Unidos, ao passo que a Coreia do Sul, no mesmo período, fez 23.950 requisições. "Nações que investem mais em pesquisa e desenvolvimento e que mantêm um setor produtivo mais inovador registram maiores e melhores indicadores econômicos e sociais", diz Luiz Ricardo Cavalcante, técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Segundo especialistas, várias motivos explicam a situação do Brasil – um deles é o baixo investimento de empresas nacionais em pesquisa e desenvolvimento. Mas é certo que parte do problema, de acordo com os mesmos estudiosos, se assenta sobre a educação. O ensino das ciências exatas no país está em descompasso com o mundo do século XXI e não estimula crianças e jovens à pesquisa e, portanto, à invenção. "O Brasil tem um dos menores índices de patentes per capita. Isso é preocupante", diz o brasileiro Paulo Blikstein, engenheiro e professor da Universidade de Stanford. "Somos grandes exportadores de commodities, mas isso não é suficiente. Se não investirmos em conhecimento científico e inovação, não teremos um crescimento sustentável." Não é coincidência, portanto, a relação entre quantidade nacional de patentes e desempenho em avaliações de ensino como o Pisa, patrocinado pela OCDE: os países mais inventivos são aqueles cujos alunos do ensino médio se saem melhor em provas de matemática e ciências (confira no quadro abaixo).
Há quase uma década, Blikstein vem descobrindo formas de ajudar não só o Brasil, mas o mundo, a ser mais inovador. Em seu centro de pesquisa no Vale do Silício, região da Califórnia que concentra empresas de alta tecnologia, o brasileiro se dedica a descobrir novas formas de ensinar ciência e matemática. "Se continuarmos formando crianças e jovens que odeiam as ciências exatas, como construiremos uma geração de inovadores?", questiona. "Os grandes cientistas se apaixonaram pela ciência e foram fundo no assunto. Precisamos despertar essa paixão."
O pesquisador não é voz dissonante. É consenso entre especialistas que os números, teoremas e equações estão cada vez mais distantes da vida dos estudantes – e os afasta do conhecimento científico. "O nosso sistema educacional não valoriza a criatividade. As escolas ainda estão preocupadas em formatar o aluno parar as provas. Com um método livresco, a ciência passa a ser inatingível, descolada da vida real", aponta Eduardo Valadares, professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autor do livro Física Mais Que Divertida, que propõe aplicações práticas para as temidas fórmulas que assustam milhões de estudantes.
É certo dizer que o Brasil avançou na última década em matéria de pesquisa e desenvolvimento. Entre 2001 e 2010, dobrou no país o número de mestres e doutores formados, passando de 26.000 para 53.000, de acordo com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Mas esse salto ainda não se reflete em inovação. Atualmente, o Brasil é responsável por aproximadamente 2,5% dos artigos científicos que circulam em periódicos especializados. No entanto, o país só detém 0,1% das patentes do planeta. "O que conseguimos até agora é louvável, mas insuficiente. Só poderemos dar um salto quantitativo e qualitativo que se faz necessário universalizando o acesso à ciência e tornando-a atraente aos olhos dos jovens", resume Marcelo Viana, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM).
Para isso, especialistas defendem uma mudança radical nos currículos escolares. Os experimentos de Blikstein nos Estados Unidos dão boas pistas sobre qual caminho seguir. Um de seus projetos prevê tornar a inovação uma disciplina curricular. Com um laboratório com tecnologias de baixo custo, ele incentiva estudantes a serem protagonistas de grandes e pequenas transformações. "Há décadas as escolas começaram a introduzir no currículo disciplinas como química e física porque perceberam que era preciso formar mais pessoas nessas áreas. É o mesmo que temos que fazer hoje com a inovação científica", diz.
Recentemente, Blikstein recebeu da National Science Foundation um prêmio de 600.000 dólares para investir nos próximos cinco anos em um outro projeto, que consiste em trazer avanços recentes da tecnologia para a sala de aula. "Ciência não se faz mais só com tubos de ensaio. Atualmente, ela é feita com tubos de ensaio conectados a computadores, que rodam modelos matemáticos. O que eu faço é levar isso para a escola, levar ciência de ponta para o aluno", descreve Blikstein. O prêmio, concedido a jovens docentes, é o reconhecimento de que o incentivo à ciência desde os primeiros anos escolares se faz necessário. Algumas escolas já perceberam isso.
O Brasil tem muito trabalho a fazer. As empresas nacionais investem um quarto do que as americanas investem em pesquisa e desenvolvimento – um dos grandes propulsores da inovação. Outra triste comparação: em 2008, destinamos 0,53% do Produto Interno Bruto (PIB) para aquele fim, ante 2,2%, em média, das nações da União Europeia. Segundo os especialistas, para que essa taxa cresça é preciso mais investimento privado e público. Mas não só. Um ambiente econômico favorável, com taxas de juros mais baixas e um câmbio mais favorável também contribuiriam para um Brasil mais inovador, além de incentivos fiscais e linhas de crédito. "Durante muito tempo, as empresas brasileiras puderam prosperar sem ter que inovar. Com a integração do mundo, a partir da década de 1990, era preciso descobrir como fazer mais e melhor do que outras empresas no mundo", diz Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Mais do que nunca, aprender a inovar é preciso. Que a aula comece cedo.
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